A
tendência humana de buscar por um modelo "super-humano" a ser seguido,
um ser dotado de incorruptível santidade e austeridade comportamental,
não passa de um idealismo que denota tanto a ausência de maturidade como
de inteligência para o gerenciamento do próprio modo de ser. Além do
mais, no que diz respeito a responsabilidade pessoal, única e
intransferível de compreender suas inconfessáveis tendências, manias e
neuroses ocultas – entre elas o
orgulho – os quais criam a descabida exigência do alcance de tal ideal
de perfeição, de tal ideal de incorruptível santidade e inabalável
austeridade comportamental, qual a validade em ficar especulando a qualidade do comportamento alheio?
É muito fácil exigir um ideal comportamento humano quando não se está
diretamente envolvido com as situações na qual aquele a qual julgamos se
encontra. Como podemos afirmar, sem o menor peso de consciência de que,
uma vez inseridos no mesmo contexto histórico social/emocional, no
mesmo espaço-tempo, tendo a mesma base, o mesmo background emocional,
sofrendo as mesmas influências do ambiente, não agiríamos tal qual ou
ainda de pior forma?
Parece-me igualmente um sinal de imaturidade e falta de inteligência, essa tendência humana – na qual ainda me encontro inserido
– de eleger inimigos externos contra os quais levantamos a bandeira de
"caça aos bruxos", com base em relativos preconceitos quanto ao que seja
idoneidade moral. Achamos muito fácil rotular como hipocrisia o
comportamento alheio, principalmente quando nos vemos escudados pelo
apoio psicológico de um grupo no qual – "momentaneamente"
– somos aceitos (isto até que o grupo faça do indivíduo, seu
bode-expiatório com o qual tentam encobrir a própria falta de
inteligência e maturidade que acaba por mantê-los num constante estado
de dependência psicológica).
Parece-me
que, enquanto prisioneiros de ideais de perfeição, não há como
experienciar de fato, a realidade do que é e, portanto, não há como se
ver livre da tendência dual de se relacionar com os constantes desafios
da existência: inicialmente amando, posteriormente odiando, inicialmente
idolatrando, posteriormente perseguindo e difamando, inicialmente
acolhendo, posteriormente descartando...
Esse
modo de se relacionar com base em ideais – os quais são sempre
limitados pelo tempo, espaço, tradição – alimenta o enorme e estagnante
processo de auto-engano, de auto-distração, o qual se manifesta pela
dispersão de foco e energia, cujo resultado, aponta para o impedimento
da percepção das próprias pedras de tropeço, entre elas, o orgulho e a nossa social hipocrisia. Como nas palavras do Nazareno:
“Ai
de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos
sepulcros caiados, que por fora parecem formosos, mas interiormente
estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia. Assim, também vós
exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais
cheios de hipocrisia e de iniqüidade.” Mt 23:27-28
"E
por que atentas tu no argueiro que está no olho de teu irmão, e não
reparas na trave que está no teu próprio olho? Ou como podes dizer a teu
irmão: Irmão, deixa-me tirar o argueiro que está no teu olho, não
atentando tu mesmo na trave que está no teu olho? Hipócrita, tira
primeiro a trave do teu olho, e então verás bem para tirar o argueiro
que está no olho de teu irmão." Lucas 6:41-42
Parece-me
que, essa tendenciosa e contraditória mania de caça aos bruxos é uma
característica peculiar que aponta para a própria falta de magia original:
por falta de luz própria, muitas vezes, de forma impulsiva, irracional e
leviana, tendemos ao incitamento para o ofuscamento da magia e da luz
alheia. Esse tem sido um movimento característico da raça humana, o qual
é sagazmente validado em escritos históricos, sem o devido
discernimento de que o contar da história quase sempre é adulterado
pelas tendências, manias, condicionamentos, influências políticas e
religiosas e os ocultos interesses do historiador ou de quem sustenta
seus relatos. Quase sempre, a história que é transmitida geração após
geração é a história contada por quem detêm o poder e, com o
qual, facilmente manipula a opinião da massa não pensante, destituída de
seriedade e do poder de observação. Dessa forma é que tem sido evitado o
saneador processo de questionamento dos estabelecidos códigos morais.
Um bom mergulho nos fatos históricos nos mostra que aqueles que se viram
alvo de criticas e julgamentos por parte de seus inquisidores, nunca
tiveram a mesma oportunidade de ênfase e espaço para a defesa de seu
modo de ver e estar no mundo, nunca foram ouvidos de forma
incondicionada com a devida atenção; eles são silenciados pelos rótulos à
eles aplicados pelos que detêm o poder e facilmente aceitos por aqueles
que, pelo mesmo poder, de forma consciente ou inconsciente, se permitem
serem controlados. Apoiados na superficialidade de alguns pontos, a totalidade do Ser, por quase todos é rotulada e, sem o uso do bom senso, despresada.
A
maliciosa tendência de exigir perfeição alheia é um social mecanismo de
defesa para dos outros tornar alheia a própria falta da idealizada
perfeição. Não existe 100% de verdade; existe a verdade da pessoa, a
verdade alheia e A VERDADE e, esta última, quase sempre precisa de
décadas, quando não séculos, para atravessar os limites gerados pelo
embotamento dos condicionamentos. Como no dito popular:
Quando
apontamos o dedo indicador para alguém, mantemos três dedos voltados
para nós mesmos, enquanto que o polegar permanece voltado para o
Infinito onde, em última análise, em reinos superiores reina a Verdade,
cujos nossos condicionamentos e tendências, nunca podem macular.
Finalizando,
conhecer a verdade do outro em nada pode nos ajudar no conhecimento da
verdade sobre nós mesmos e, só esta tem o poder de nos libertar de nosso
bem defendido estado egóico de hipocrisia disfarçada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário